Chocolate Quente para a Alma

"Existe uma lógica no Universo e os acontecimentos da nossa vida não são obra do acaso" (Arielle Ford)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Pequena Vendedora de Fósforos

      Fazia um frio terrível; caía a neve e estava quase escuro; a noite descia: a última noite do ano.
Em meio ao frio e à escuridão uma pobre menininha, de pés no chão e cabeça descoberta, caminhava pelas ruas. Quando saiu de casa trazia chinelos; mas de nada adiantavam, eram chinelos tão grandes para seus pequenos pézinhos, eram os antigos chinelos de sua mãe.
     A menininha os perdera quando escorregara na estrada, onde duas carruagens passaram terrivelmente depressa, sacolejando. Um dos chinelos não mais foi encontrado, e um menino se apoderara do outro e fugira correndo. Depois disso a menininha caminhou de pés nus - já vermelhos e roxos de frio. Dentro de um velho avental carregava alguns fósforos, e um feixinho deles na mão. Ninguém lhe comprara nenhum naquele dia, e ela não ganhara sequer um níquel. Tremendo de frio e fome, lá ia quase de rastos a pobre menina, verdadeira imagem da miséria! Os flocos de neve lhe cobriam os longos cabelos, que lhe caíam sobre o pescoço em lindos cachos; mas agora ela não pensava nisso. Luzes brilhavam em todas as janelas, e enchia o ar um delicioso cheiro de ganso assado, pois era véspera de Ano-Novo.
    Sim: nisso ela pensava! Numa esquina formada por duas casas, uma das quais avançava mais que a outra, a menininha ficou sentada; levantara os pés, mas sentia um frio ainda maior.
Não ousava voltar para casa sem vender sequer um fósforo e, portanto sem levar um único tostão. O pai naturalmente a espancaria e, além disso, em casa fazia frio, pois nada tinham como abrigo, exceto um telhado onde o vento assobiava através das frinchas maiores, tapadas com palha e trapos.
     Suas mãozinhas estavam duras de frio. Ah! bem que um fósforo lhe faria bem, se ela pudesse tirar só um do embrulho, riscá-lo na parede e aquecer as mãos à sua luz! Tirou um: trec! O fósforo lançou faíscas, acendeu-se. Era uma cálida chama luminosa; parecia uma vela pequenina quando ela o abrigou na mão em concha... Que luz maravilhosa!
Com aquela chama acesa a menininha imaginava que estava sentada diante de um grande fogão polido, com lustrosa base de cobre, assim como a coifa. Como o fogo ardia! Como era confortável! Mas a pequenina chama se apagou, o fogão desapareceu, e ficaram-lhe na mão apenas os restos do fósforo queimado. Riscou um segundo fósforo. Ele ardeu, e quando a sua luz caiu em cheio na parede ela se tornou transparente como um véu de gaze, e a menininha pôde enxergar a sala do outro lado. Na mesa se estendia uma toalha branca como a neve e sobre ela havia um brilhante serviço de jantar. O ganso assado fumegava maravilhosamente, recheado de maçãs e ameixas pretas. Ainda mais maravilhoso era ver o ganso saltar da travessa e sair bamboleando em sua direção, com a faca e o garfo espetados no peito!
     Então o fósforo se apagou, deixando à sua frente apenas a parede áspera, úmida e fria.
     Acendeu outro fósforo, e se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal.
     Era maior e mais enfeitada do que a árvore que tinha visto pela porta de vidro do rico negociante. Milhares de velas ardiam nos verdes ramos, e cartões coloridos, iguais aos que se vêem nas papelarias, estavam voltados para ela. A menininha espichou a mão para os cartões, mas nisso o fósforo apagou-se. As luzes do Natal subiam mais altas. Ela as via como se fossem estrelas no céu: uma delas caiu, formando um longo rastilho de fogo. "Alguém está morrendo", pensou a menininha, pois sua vovozinha, a única pessoa que amara e que agora estava morta, lhe dissera que quando uma estrela cala, uma alma subia para Deus. Ela riscou outro fósforo na parede; ele se acendeu e, à sua luz, a avozinha da menina apareceu clara e luminosa, muito linda e terna.
- Vovó! - exclamou a criança.
- Oh! leva-me contigo! Sei que desaparecerás quando o fósforo se apagar!
Dissipar-te-ás, como as cálidas chamas do fogo, a comida fumegante e a grande e maravilhosa árvore de Natal! E rapidamente acendeu todo o feixe de fósforos, pois queria reter diante da vista sua querida vovó. E os fósforos brilhavam com tanto fulgor que iluminavam mais que a luz do dia. Sua avó nunca lhe parecera grande e tão bela. Tornou a menininha nos braços, e ambas voaram em luminosidade e alegria acima da terra, subindo cada vez mais alto para onde não havia frio nem fome nem preocupações - subindo para Deus. Mas na esquina das duas casas, encostada na parede, ficou sentada a pobre menininha de rosadas faces e boca sorridente, que a morte enregelara na derradeira noite do ano velho. O sol do novo ano se levantou sobre um pequeno cadáver. A criança lá ficou, paralisada, um feixe inteiro de fósforos queimados. - Queria aquecer-se - diziam os passantes. Porém, ninguém imaginava como era belo o que estavam vendo, nem a glória para onde ela se fora com a avó e a felicidade que sentia no dia do Ano Novo.

Hans Christian Andersen

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Anjos

Os anjos aparecem com frequência no Antigo Testamento como os representantes ou os mensageiros de Deus (Génesis, 16:7), uma vez que Deus raramente comunica directamente com a humanidade. os anjos surgem muitas vezes durante as experiências de "quase morte", como guias espirituais, e facilitam o regresso do indivíduo à vida. A popularidade dos anjos na viragem de milénio, no Ocidente, pode ser encarada como um modo que a sociedade progressivamente mais secularizada encontrou de incorporar alguns conceitos religiosos nmuma existência completamente natural. também se constitui como uma oportunidade de representar o céu e a vida depois da morte de um modo quase físico, proporcionando assim uma versão mais simplista de religião aos que começam a manifestar algum cansaço e necessitam de reagir contra a tendência, cada vez mais sofisticada, para se interpretar e desmistificar as crenças religiosas.
(in: Enciclopédia da morte e da arte de morrer - Glennys Howarth e Oliver Leaman)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

O que dizer a alguém que perde um ente querido

Passei na casa mortuária para prestar condolências, pela partida eterna, da mãe de umas senhoras que conheço. Cumprimentei todas as filhas que se encontravam em redor do caixão, com os rostos carregados de tristeza e amargura. Nunca sei o que dizer às pessoas nestas alturas, porque a dor da perda já é tão grande, que o silêncio vale mais que mil palavras de conforto. Mas... disse a uma das filhas, "já estava muito velhinha". a filha começou logo a chorar. que estúpida que fui! se tivesse um buraco, enfiava-me imediatamente nele. porque a nossa mãe é sempre a nossa mãe, por mais velhinha que esteja, a perda custa sempre.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Alma

No Judaísmo, a alma (habitualmente designada em hebraico com neshamah) está ligada ao espírito, ou sopro da vida. o corpo é como a roupagem da alma (shabbat, 152b), sendo que esta viaja entre a terra a o céu durante doze meses até que o corpo esteja inteiramente dissipado (Sabbat, 152b-153a)
O Budismo encara com muita suspeição a noção de alma enquanto entidade persistente com realidade objectiva. muitos budista entendem que o estado da consciência na altura da morte é decicivo na definição do renascimento do indivíduo: se a mente está serena e em paz, então o renascimento é feliz, e vice-versa.
texto retirado de:" Enciclopédia da morte e da arte de morrer" - Glennys Howarth e Oliver Leaman

domingo, 3 de abril de 2011

morrer no hospital ou morrer em casa

as famílias hoje em dia estão mais dispersas. o casal vive com os filhos num local, os pais noutro e os sogros noutro. o trabalho, a escola, ocupam muito tempo, e o tempo para todos se reunirem resume-se a aniversários, páscoa e natal. hà uns anos atrás as famílias viviam todas como uma grande familia. geralmente a mulher não trabalhava fora de casa, ficava em casa a cuidar das crianças e dos idosos. não existiam tantos lares de idosos, porque este ficavam em casa junto da família até morrerem. morriam no seu leito rodeados de toda a família, em paz. tinham, muitas das vezes, tempo para se despedir. hoje em dia, infelizmente cada vez mais se morre no hospital. muitos idosos ficam esquecidos numa Medicina à espera de... vaga no lar?; disponibilidade da família? da morte? ou então morrem numa Unidade de Cuidados Intensivos, muitas das vezes em coma e sem consciência do que lhes está a acontecer, para onde foram tranferidos, com o intuito de prolongar a vida, uma vida sem qualidade. não valia mais terem ido para junto da família e morrer rodeados de amor. mas nem todas as familias estão preparadas para dar aos idosos o amor da despedida.

quarta-feira, 30 de março de 2011

fim de vida


 Sinto-me a flutuar sobre um corpo inanimado, deitado na cama que o acolheu, todas as noites para repousar. Aquele corpo era o meu. Está agora sem vida, deitado no leito da sua morte”.
Tem 92 anos, morreu durante o sono. Antes de se deitar ontem, fez um apetitoso jantar acompanhado com um aromático bolo de laranja, apanhadas de manhã no seu quintal. No jantar estiveram presentes os seu filhos e os seus netos, como acontecia quase todos os domingos. Teve uma vida completa, repleta de bons e maus momentos. Uma infância com pais separados mas sempre presentes nos marcos importantes da sua vida. Estudou, tirou um curso superior que lhe permitiu levar uma vida a cuidar dos enfermos. Casou, teve filhos, depois viu nascer os netos que acompanhou sempre que pôde. Levou uma vida sempre com pensamentos positivos, apesar das dificuldades e obstáculos que iam surgindo. Sofria de intensas dores das costas, mas que não a impediam de sair de casa para dar uma voltinha e conversar. Tomava um comprimido e um café quentinho e já estava boa (ou aparentemente), a cama não era a solução para maleitas da idade. Cama só à noite, para dormir. Mas hoje, durante o silêncio da noite, o seu corpo sucumbiu-se ao peso da idade e de uma vida cheia. Deu o fim da sua graça. Mas morreu feliz. Fez tudo o que quis e que a fez feliz durante a vida. É o percurso natural do ser humano, e se este termina desta forma, depois de uma vida cheia, não deve haver tristeza, mas sim alegria. As pessoas não devem ser recordadas pela sua morte, mas por todas as coisas que fizeram em vida.